O Arroz de Casca

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Chucha no dedo às 10 semanas e aos 5 anos já tem opinião formada

Eu bem sei que prometi que eram só 11 linhas sobre o aborto e calaria esta matraca sobre o assunto. Mas, infelizmente, veio parar à bancada da minha cozinha (!), um panfleto do movimento pelo "não" que...francamente! Como já noutro dia tinha visto um triste espectáculo da parte destes senhores, hoje não me calo. E junto os dois. Ora bem: o panfleto diz coisas magníficas como - «Às 10 semanas (...) o bebé tem as mesmas impressões digitais - imagina! - que terá durante toda a sua vida, abre e fecha os olhos (olha o boneco careca), (...) já chucha no dedo e tem um coração que bateu 174 vezes durante a leitura deste folheto». Haja paciência, porque se alguém a tem, eu já a perdi!
A filosofia de pacotilha do boneco careca que abre e fecha os olhos, chucha no dedo e, a julgar pela impressão digital, pode, seguramente, no juízo dos iluminados autores do folheto, ter registo criminal, não termina aqui...Não é que no outro dia, num serviço noticioso em horário nobre numa televisão generalista, este mesmo movimento pôs criancinhas a cantar pelo "não" e, pior, a dizerem ao país (com 5,6 anos!!!) porque é que estavam ali a defender o "não"! Não sei quem foi a pessoa cheia de bom senso que deu tempo de antena àquelas crianças...Mas não há o direito de, qualquer movimento, usar criancinhas (que é o termo que se aplica neste caso, seguindo os trâmites da demagogia) a seu belo prazer para manipular audiências e ganhar votos em prime-time. Desconfio de quem, em consciência, faz isto aos próprios filhos. Desconfio de quem não defende a infância de crianças reais, para defender o embrião chucha-no-dedo.
E com esta me calo, não sem dizer que a demagogia nos bombardeará nos próximos dias e que, se tropeçar em iguais enormidades do "sim", cá estarei para eles.

terça-feira, janeiro 30, 2007

11 linhas sobre o aborto

Como já não posso ouvir mais demagogia sobre o assunto, serei breve. Votarei SIM - e espero não ter a desilusão de ver as pessoas irem passear para o shopping em vez de irem votar. Votarei sim para acabar com a hipocrisia, o sofrimento humano e vidas de pessoas que sofrem durante todo um percurso porque ninguém as amou, ninguém as cuidou. Ninguém lhes deu VIDA, apenas um amontoado de cruzes para carregar. Quero é acreditar no bom senso do legislador que, na regulamentação da lei, não permita que uma mesma criatura faça abortos como quem bebe copos de água. Confio nas mulheres e acredito que essas são excepções. Mas ainda assim, é preciso prevê-las e acompanhá-las.

ps- e já agora, por favor, seja qual for o veredicto, gastem dinheiro em planeamento familiar e educação sexual. É que aposto que, em oito anos, não foi gasta - para o que é, de facto, essencial - a mesma quantia que ambos os movimentos estão a gastar nesta campanha!

A educação dos caranguejos

Pois que a Culturgest resolveu, aliás numa iniciativa muito interessante, fazer um ciclo de conferências ligado às diversas religiões e a algumas das suas manifestações culturais - nomeadamente música. A conferência de ontem, sobre judaísmo, estava cheia. De tal modo que passou de uma sala pequena para o Grande Auditório. Samuel Levy, o orador, tinha graça, era simples e comunicava. Não lia um discurso pré-estabelecido. Formou, informou e até divertiu. A conferência começou quase às 19h00 e era possível entrar depois da hora, foi num sítio central, bem divulgada, com metro à porta e entrada livre...E perguntamos nós: onde estavam os jovens naquela sala? Os estudantes? Os outros? No auditório, a larga maioria da audiência estava acima dos 40 anos. Havia talvez 30, 40 pessoas entre os 20 e os 35. Onde estavam os alunos das licenciaturas de História, Filosofia ou Antropologia, por exemplo? Onde estão as pessoas cuja única ocupação é aprender nesta fase das suas vidas? E os seus professores? Terão tentado motivá-los? Na principal questão que faz o país andar para trás - a formação, a informação e a cultura - andamos definitivamente em passo de caranguejo. Que futuro para esta "questão que temos connosco mesmos"?

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Pet Shop Boys - Rent


Porque há momentos que nos marcam, músicas que nos marcam e pessoas que nos marcam. Independentemente de a estória da música poder nada ter a ver com elas (pessoas) ou elas (situações). São os acordes que nos fazem rir ou nos fazem chorar. Esta melodia tem uma história emocional. Nomes de pessoas. Várias. Porque várias se colaram a determinado feeling que ela provoca. A música tem esse dom, é de facto a 1ª arte a chegar aos corações humanos. Nestes dias esta música foi inevitável. Pelas piores razões, porque também há dias assim... Mas os Pet Shop Boys são sempre aquele magnetismo. Vale a pena ouvir.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Domicília e o dono.do.andar.modelo

Hoje fui ver a D. Domicília, a minha amiga do rés-do-chão esquerdo (ou como dizia o cartaz: Cuidado! Será a sua vizinha ou você mesma?). A D. Domicília partiu de férias e passou uns dias magníficos num super-hotel. Primeiro foi a viagem: um filmezinho onde percorreu montes e vales num carro-trotinete (coisa do mais-moderno que há!). Teve um percalço poisque esbarrava de quando em vez no seu próprio alter-ego plastificado! Bem...isto só até o autor se chatear, rasgar a folha onde desenhava as duas e as ter mandado para os respectivos quartos. Julgava ele que ia por a boa da Domicília de castigo? Ná! O lugar em que a minha amiga ficou instalada era tão bom ou tão mau que a levou a viajar por quartos nunca dantes navegados. Foi turista de barco, de colete salva-vidas e ainda teve direito a um crocodilo-de- plástico-criado-para-todo-o-serviço. Jogou golfe como ninguém, partindo do campo relvado que era o avesso da sua cama. Foi ao solário onde se tostou devidamente, ora de pés, ora de cabeça. Tirou portas, colocou janelas, pregou quadros. Rasgou o pano das paredes. Tirou a gabardina, dobrou-a bem dobradinha. Ouviu rádio e televisão. Encheu e desencheu almofadas e passou pelas brasas. Tentou endireitar o pescoço, mas não conseguiu graças à “girafite” de que padece desde criança. Tocou campainhas. Olhou a praia, o campo, a luz lilás do solário e os buracos do campo de golfe. Ficou com a alcatifa presa às meias. Puxou a alcatifa toda e...eis que aparece o homem.do.andar.modelo. Aí Domicília estaca e tem um ponto de luz na cabeça: isto é o mesmo que dizer que após enfiar a cabeça dentro do seu caixote preferido e continuar com a dita “alumiada”, entendeu finalmente que a ideia era brilhante...
O homem.do.andar.modelo (que existe na realidade e tem muitas cópias de si mesmo) era um pobre diabo. Domícilia tinha feito um inesperado estágio, à la jogador de futebol, nas férias...É bom de ver que o estágio lhe servira para se tornar decoradora de espaços impossíveis. E em que poderia Domicília ser útil ao homem.do.andar.modelo? Bem, ele era diabo porque só os diabos-me-levem têm a ideia de comprar um andar modelo com TUDO, tudo, tudinho mesmo o que o andar modelo tem lá dentro. E era pobre, porque era rico. Mas tão fuinha que se convenceu que era de facto pobre: era o paupérrimo.dono.do.andar.modelo.
Entre a D. Domícilia e o dono.do.andar.modelo, aqui vai disto: uma parceria nunca antes emoldurada. Com a Dona D., a mais recente decoradora e esvaziadora de espaços impossíveis, qualquer mudança era, agora, possível. Totalmente e completamente possível. Ela arrancou-lhe o chão, as paredes, o quarto, a cama, o sofá, os bibelots, as portas e as janelas. Nem os interruptores escaparam. No vazio, olhou-o, muito a sério, olho no olho, e vociferou em linguagem gestual: «pobres são os que não têm imaginação!». Então, o dono.do.andar.modelo, cada vez mais amedrontado, começou a desenhar a todo o vapor...Ele era camas, mesas e mesinhas. Era abat-jours, papéis de parede, armários, camas, caminhas, tapetes e tapetinhos. Uma panóplia de coisas que encheram tanto o espaço vazio que quase o tornava possível... O resto da história é apenas um final feliz, nos tons coloridos que toda a gente conhece à minha vizinha: os móveis-desenhados puseram-se em fila indiana e empurraram os dois do varandim do quarto de hotel para a paisagem. Domícilia e Paupérrimo caíram esbaforidos no carro-trotineta eléctrica. Olharam-se, muito a brincar, olho no olho e... empoleiraram-se no carro, juntos e felizes por montes e vales, no caminho de regresso a casa. Domicília arranjou uma companhia para os fins-de-semana improváveis. E o dono.do.andar.modelo nunca mais comprou andares-modelo. Deixou de ser o pobre.dono.do.andar.modelo para passar a ser o rico.e.feliz.proprietário.com.decoradora.e.tudo.


nota: esta estória foi inspirada no espectáculo «Tritone» e num episódio fantástico contado por uma amiga. Qualquer coincidência com a realidade é pura ficção. Agradeço, desmesuradamente, às fontes de inspiração.

Preparem-se para...D. Domicília e o homem.do.andar.modelo

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Borat em terras do Sr. Arbusto


Embora não esperasse tanta citação ao meu mui apreciado Kusturica e até às suas bandas sonoras, Borat é qualquer coisa que vale a pena ver. Pela encarnação da personagem, pelo actor, pelo nonsense, pelo insólito, pela desconstrução americana, pela Pamela Anderson, pela galinha...Por tudo. Gostei, tem momentos hilariantes, embora se possa dizer que, com tanta algazarra mediática, se esperasse (ainda) maior originalidade.

domingo, janeiro 21, 2007

As Pin&Pon... de máscara


Isto parece ser um facto que as máscaras não me largam. Ou caem abruptamente, ou lá estou eu outra vez de máscara (no sentido literal do termo).
Este fim-de-semana, ajudando na figuração de um «teledisco» de um amigo, nasceram duas personagens: as Pin&Pon. Duas figuras estranhas, uma vestida de rosa berrante e a outra de azul gritante que, em conjunto com outros da mesma espécie, andaram de máscara na cara - a imagem de marca do meu amigo que até canta de máscara! - por essa Lisboa fora à procura de imagens para a máscara usar. Ela deu largas à imaginação e foi criando e recriando personagens. Depois de um dia de sorrisos, muito riso e um universo kitsch como pano de fundo, espera-se que o «teledisco» vá adiante. As próximas paragens da máscara são Coimbra, Porto e Amesterdão. Quem quiser conhecer - ainda sem Pin&Pon ;) - a musiquinha, aqui fica o link: http://www.tapeloadingerror.com/.

sábado, janeiro 20, 2007

O perfume e o ar...e o teu sorrir

Hoje ouvi um e vi dois dos sorrisos masculinos mais bonitos que conheço. A beleza, toda aquela incomensurável beleza que existe no mundo, é de uma natureza insondável. A beleza, no puro sentido estético da coisa, sempre me fascinou e sou capaz de a reconhecer e admirar à légua, quer se encontre em pessoas ou objectos. Seja óbvia ou esteja encoberta. O mistério que encerra ninguém conhece. Ninguém sabe se é benece ou obstáculo a superar. Nos dias em as químicas andam mais à flor da pele há sorrisos de estampar para a eternidade...Dois deles têm o mesmo sotaque, os mesmos olhos, o mesmo tipo de encanto. Podiam confundir-se até. Um destes dias hei-de desenhar uma personagem que os funda, os confunda e os molde aos meus desejos narcisicos...E, como toda a gente sabe, a arte de inventar personagens é livre (esta é do Cesariny). Haja beleza - desta e da outra muito mais primordial - acima do chão que vamos pisando.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

A Família


De regresso a casa deparei-me com a cena mais enternecedora do dia. Um papel branco postado na entrada do prédio. Dizia mais ou menos isto: «Procura-se gato amarelo, focinho cor-de-rosa(...) Obrigada. A Família.» Era a família humana do pobre felino perdido. Mas poucas são as que se anunciam como tal, mesmo as dos humanos. Palmas para A Família.

Scoop


Woody Allen no seu novo «Scoop», tem algumas deixas imprescindíveis. Uma das que me ficou foi o momento em que, quando se lhe pergunta a religião, diz:«Sou de família hebraica, mas, sabe, converti-me recentemente ao narcisismo». Pois é. É que o tema da conversa versava precisamente sobre a aplicabilidade desta máxima ao "machame" lusitano que se passeia alegremente pelas ruas. Ele é o macho intelectual/ressaibiado(pelas mulheres, o país e o mundo); ele é o macho abandonado pelo pai em criancinha; ele é o macho cheio de truques para chegar à sua (sempre redundante) meta final; ele é o macho amedrontado (e sem cão); ele é o macho com crises de identidade; ele é o macho que ataca na ausência da legítima...Há muitos tipos, mas, o mulherio chega à brilhante conclusão de Allen: parece que todo o transeunte se converteu ao narcisismo e se esqueceu de avisar (e agora o mulherio que me desculpe, mas algumas das suas espécimes também praticam este velho desporto). Parece-me que São Narciso tem tanto altar e tanta velinha acesa, que se vai acabar a crise no reino das abelhas! Cá pelo burgo, Santo António que se cuide que a concorrência não perdoa, e não vai haver arraial que lhe valha.

Nota: a classificação do "machame" será feita por uma experiente e creditada agente no terreno. Quando ela me facultar o científico, escrupuloso e ultra-secreto documento, prometo que publico.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

O copo está meio cheio

Às vezes é preciso ter coragem para ver o copo meio cheio...Olho-o, miro e remiro, e, apesar de uma angústia pequenina que me quer assaltar, não deixo. Não deixo! Para mim está meio cheio.

Este é o momento em que a voz interior chega e diz:«Prá frente é que se anda. Este é o ano da coragem!»

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Cavaco e a Literatura

Cavaco Silva foi agraciado com um Doutoramento Honoris Causa em...nada mais, nada menos do que LITERATURA! Sim, leram bem, li-te-ra-tu-ra. O que mais poderia ser indicado para o nosso presidente, pois então? Isto tudo porque o magno conselho dos srs. Doutores da Universidade de Goa não chegou a acordo para lhe dar o devido Doutoramento em Economia...No século XXI não se admite que os Doutores, supostas mentes abertas, ainda sintam nas veias o frémito colonial dos avós...Os Doutores deviam ser cidadãos do mundo e não gente de palas nos olhos. Em Goa, Nova Iorque ou Sudão. Não interessa. Tanto congresso no «estrángeiro», tanta internet, tanto cruzamento de culturas...Para quê? Para ainda associarem a economia à ideia do monstro da «dominação»? Que a população o faça...enfim. Mas os senhores da cátedra?
Resultado: mais um episódio jocoso-satírico deste nosso burgo. Não seria melhor doutorar o professor em ...rendas de bilros? Dizque estão em vias de extinção e, assim como assim, olha, ajudava o turismo...

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Que dia tão estúpido!


Ou melhor...que dias tão estúpidos. Ando num estado tão esquisitoide que nem sequer quero saber do país, do Mundo, da Fátima Felgueiras ou da Carolina Salgado. Acho que nem vi notícias no dia em que o Saddam foi prás cucuias... Ele é a conexão com a net que me obriga a estar horas a fio a mandar fotos; é o ter o dia planeado para começar o curso de espanhol - não começar e já estar outra vez cheia de dúvidas; é não poder sequer ir ver os quadros do Amadeu porque é tarde demais; é dormir mal; é fazer um texto da treta e odiar cada texto ainda mais que o anterior; é ruminar (já nem se pode almoçar!) em frente ao computador enquanto as malditas fotos seguem ou não seguem; é não saber se me inscrevo no ginásio, porque é caro e não tenho pica nenhuma para aquilo (mas a minha cabeça precisa); é não saber se o trabalho vai ser, ou não, publicado, no sítio devido; é não saber o que fazer à crise, à segurança social obrigatória, mais a treta dos recibos verdes (a pior invenção do mundo antes mesmo do Alberto João Jardim); é não me conseguir concentrar, ler, ouvir; é não conseguir levantar-me da cama porque o mundo está cinzento carregado; é ser uma panela de pressão prestes a explodir; é zangar-me com amigos e menos amigos que só fazem asneira aqui para o meu lado; é estar farta da cidade e precisar urgentemente de umas férias (há anos!) - para as quais não há orçamento; é ter saudades do mar, do sol, do verão, de colo...Que dia tão estúpido! (já dizia, com razão, Dario Fo!)

Nota: estava eu a pensar deixar aqui um post desesperado e perguntar se ninguém queria animar o meu dia, quando recebi um postalito. :) Obrigada!

terça-feira, janeiro 09, 2007

domingo, janeiro 07, 2007

Máquinas & Arrumações - uma dupla para me moer o juízo


Neste novo ano estou a começar, de facto, uma vida nova em quase tudo. Quase. Há sempre em mas. Um senão. Um talvez. Um porém.
Uma vez que tenho de organizar a minha vidinha em termos tecnológicos e de papeladas (e de cabeça, rotinas e coração) para trabalhar, em condições, e em casa - perdi uma semana a organizar a existência. E ainda não acabou...O que não acabou também foi a minha milenar e diabólica relação com máquinas, que me levou a passar os dias frente ao computador a pesquisar softwares e hardwares. Ora quando já tinha um pássaro na mão - a impressora - não havia, evidentemente, modo de instalar a querida e simpática maquineta que tive de adquirir. Não é que a coisa foi temperamental quanto baste para, nem na sexta-feira, ter permitido que esta pobre criatura de Deus fosse ao cinema?
Uma semana INTEIRA entre lojas de informática, telefonemas, compras, mails, orçamentos, investigações na net e o diabo a mil...apenas para instalar decentemente componentes básicos para o utilizador. Haja paciência! Queridos e prestimosos engenhos, parece-me que agora podem ir chatear para outra freguesia sim? A «comissão instaladora» agradece.

Intuição


Assusta-me o agigantamento da intuição em todas as áreas da minha vida, e mesmo face aos que me rodeiam. Aliado a este epísódio do roubo (felizmente - e obrigada a polícias e ladrões - já apareceu muita coisa), tenho sido forçada a meditar nisso. Naquela noite eu tinha a sensação de que não devia sair de casa. Quando fui por as coisas da minha amiga na minha mala assaltou-me inexplicavelmente o pensamento: «e se formos roubados?». No dia anterior a pessoa mais destemida que conheço disse-me: «cuidado com os ladrões e o frio!». Inacreditável. E fiquei a matutar naquilo. Este foi apenas um dos meus últimos assomos de intuição. De resto, no trabalho, no coração (em todo o seu largo espectro), na vida - devo reconhecer que este fenómeno cada vez me assusta mais. Sou racional por natureza e por educação neste lado ocidental do mundo. Tenho um outro lado, de facto. Mas isto está cada vez mais a contrariar a minha «formatação». Verifico na prática que devia seguir muito mais vezes a minha intuição. Só que é tão difícil...É aquele espírito-santo-de-orelha que me manda agir racionalmente... Não me larga.

Saudações ao sétimo dia do ano da graça de 2007

Nota introdutória: Muito afastada tenho andado do meu arroz-mais-que-tudo, mas a verdade é que depois de tanta aventura ( eu pedi-as (neste blog mesmo) e houve alguém que não se fez rogado) - o tempo não esticou e a paciência muito menos. Isto agora vai por episódios:

Episódio I
Este ano até o Natal passou melhor que o aniversário e o ano novo, numa verdadeira inovação do género «do mal o menos». Ora estava eu posta em sossego, sem disposição para festas, mas a não querer chatices também, quando o dia 30 me traz, no mínimo, uma novela mexicana dobrada em brasileiro (e em vários takes). Mas não quero falar disso. Ao menos a 29 tive um jantar querido e a 31 um almoço com as minhas coelhas (aquelas que acham que eu até sou parecida com a Floribela, cruzes canhoto!). Estive a brincar ao macaquinho do chinês e recebi umas perneiras que afinal eram luvas. Foi giro e aqueceu o meu dia. Pronto.

Epísódio II
Vai daí que queria eu ter um fim de ano «sogadito» aqui por terras alfacinhas...mas a bem dizer que à última da hora... a modos que não me apetecia ir. Fui literalmente arrastada. Resultado: ao longo da nôte - e cedo - ia dizendo que devia ir para casa, que não estava animada e ...Eis que encontro um amigo com quem fiquei na palheta até notar que tinha frio...«Espera aí que vou buscar o casaco». E onde, perguntam vocês, estava o casaco? Poucos metros ao meu lado. Pois que nem casaco, nem mala, nem mala da Filipa que - azar dos azares - estava guardada dentro da minha. Roubaram-nos.

Episódio III
Depois do susto, os amiguinhos continuaram a escalar a madrugada do dia 1º de Janeiro, enquanto eu e a Filipa nos dirigiamos, em transe, para a esquadra...Nós e o meu amigo que estragou a sua passagem de ano para nos fazer companhia (duas horas na esquadra!!!); nos consolou com rebuçados de café e nos levou a casa (e esperou que entrássemos e fechássemos a porta do prédio em segurança). Já não há gente assim.

III A
Na esquadra era uma noite calma, imaginem só. Calmíssima! A malta que estava de serviço não tinha grande coisa que fazer e, avistando o nosso estado de choque, a 1ª coisa que o agente principal (em português é o polícia que manda e que se senta na única secretária a fazer umas redacções...) disse: «são as minhas primeiras clientes da noite»). Bonito não é? Uma pessoa está histérica que lhe estragaram a 1ª noite do ano e está tudo calmíssimo. Pior: o teclado do sr. agente não funcionava (teve de ir buscar um que já estava no 'lixo'); o computador do sr. agente não funcionava e a minha pachorra muito menos...Entretanto, questões como «nome de seu pai; residência; data de nascimento» afiguravam-se-me, naquele estado apocalíptico, qual eco inquisitorial aos ouvidos. Para melhorar a situação: o sr. agente, que revelava alguma dificuldade em redigir uma queixa (estou a ser boazinha, acreditem que estive mesmo para ir fazer a redacção por ele e procurar nas bases de dados por ele), viu o seu computador ir abaixo e ter de escrever tuuuudooooooooo de noooooovoooo.
Estávamos quase a cair para o lado. E tudo o que nos rodeava era mais do que alta comédia. Era tragicomédia, da melhor. Os fios do computador do sr. agente principal tinham um lacinho vermelhinho e pequenino de natal! Que mimoso! A tv estava ligada, aos berros, nas televendas. Na parede havia um aviso, do mais primário mau gosto, para não se fumar ali dentro. Os outros agentes olhavam para uma maquineta e diziam que nós éramos (tipo coisa) a ocorrência nº XPTO de todo o país e, em simultâneo, faziam comentários sobre o «piqueno furto». Tudo rapazes novos, bem comportados, sotaque de várias províncias. Sem esquecer a também bem comportada e polida aliança no dedo. (Um bom estudo sociológico teria muito a dizer sobre isto.)

O cúmulo: depois de um morador ter feito, duas vezes, queixa telefónica sobre o ruído de um bar - eram 5h - o sr. agente principal ainda puxou dos seus galões e contou a heróica façanha de como, com um seu vizinho, «ao segundo aviso, foi remédio santo». É claro, porque, com ele, a coisa fia fininho... Só falatava : «Comigo ninguém se mete. Quantos são? Quantos são?»

EPÍLOGO
Valha-me o padroeiro ou a padroeira das passagens de ano( vou investigar e depois acendo-lhe uma velinha ou coisa no género)! Depois de todaaaaaaaaaaa esta cena-macaca ainda tive de ouvir, no dia seguinte, a família a refilar que eu é que era era «descuidada», pois então, para além de um ror de coisas fantásticas que se seguiram nessa madrugada: vasculhar todos os caixotes do lixo na área do "piqueno furto"; levar horas (tudo era horas naquele momento) a andar para apanhar um taxi; chegar a casa e ter de ligar para o 118 a pedir os nºs para cancelar cartões, telemóveis, etc e quase morrer de frio (meu rico casaco)... Depois: depois foi adormecer a pensar que tinha sido um sonho mau, que tinha ficado sem nada, que anormais, bestas, ca...ões de assaltantes da treta...

A VINGANÇA
Parece que se serve gélida. Então: o $ estava comigo; o telemóvel era do mais rasca que há, estava partido e ia ser substituído por péssimo funcionamento; a «maquiage», comprimidos e afins não lhes serviam para nada e a mala muito menos ...É bem feita para não fazerem uma dama chorar por todos os seus pertences (o batôn que levou anos a encontrar ;); a mala vinda de um país estranho; a agenda telefónica, Meu Deus). É bem feita. Foi, de certeza, o pior roubo do ano...Queriam estragar-nos a passagem de ano, não era? A vossa não foi mais lucrativa. E fiquem -se com a grande citação que esta mente brilhante acabou de conceber:
«A justiça divina - de Deus e das Divas - nunca dorme!».

ps- para mais «citações brilhantes», contactem este blog por favor. vendo barato e há a real possibilidade de pagar em suaves prestações.