O Arroz de Casca

terça-feira, setembro 26, 2006

Manhãs de Nevoeiro

A todos, um por um , vai batendo - neste país do bate leve levemente - o fantasma do desemprego. Já foi a mim. E vai sendo a muitos dos "meus", dia após dia. Não se pense que são as fábricas do que foi o "delírio" do Vale do Ave ou a "deslocalização" das empresas para outros países...Coisas que só acontecem aos outros e lá bem no norte - que é mais ou menos o mesmo que dizer "no Polo Norte"... Mentira. Calha a todos e aos mais jovens com maior incidência. Curiosamente, os que conheço assim, até são os mais empenhados. Os mais produtivos, os mais dedicados. Para os que vestem a camisola - aos de todos os polos - e a quem a fúria desta terra de matraquilhos quer arrancar as vestes à força, aqui ficam umas linhas (que sejam encaradas como sinal de esperança). Havemos de ser nós - os que não temos pachorra para esperar um D. Sebastião em manhãs de nevoeiro - a gerir melhor este "remorso".

Portugal

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanídios,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

(...)

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...

Alexandre O'Neill in Feira Cabisbaixa (1965)

domingo, setembro 03, 2006

Vento
vento

há tanto
há só vento no meu país

vento branco
verde vento negro

ardente

seca as lágrimas

corta a voz na raiz.

Eugénio de Andrade
in Poesia

É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.

É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.

É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.

É sempre nos meus pulsos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.

Carlos Drummond de Andrade
in Antologia Poética

sexta-feira, setembro 01, 2006

Independências

No espaço de um ano fecham três jornais. Sinais dos tempos (?!), país mais pobre... Assistir à morte de um título é uma espécie "de dor que não passa" para quem está do lado de dentro. Fica aqui uma breve homenagem a O Independente, que hoje publica a última edição, e a todos os que o ajudaram a construir. Tempos houve em que foi responsável por alguns dos mais brilhantes pedaços de prosa impressos em papel de jornal. Tempos houve em que fez excelentes investigações. Tempos houve em que os títulos luziam nos escaparates. Por isso. Por isso e pelo resto, obrigada.