O Arroz de Casca

segunda-feira, maio 07, 2007

Dacosta e o palhaço

No café mais modernista de Barcelona, ponto de encontro da “artistada” da época Gaudí, entraram três meninas em ponto de rebuçado. Cansadas de calcorrear a cidade, mendigavam por um “café solo” à espera de que a amiga cafeína retemperasse forças esvaídas entre mercados e monumentos, museus e praças, danças de roda e palhaços de rua. Na mesa ao lado do Café de L’Ópera estão, naquele momento, dois senhores. Senhores-cara-de-novela, meia idade brasileira, “terno”, alfinete no casaco, conversa afiada. Iam cofiando a barba, palavrando e gargalhando – enquanto elas ouviam, com indisfarçado gozo, alguma coisa da língua mãe.
Os cantos dos olhos iam espreitando de mesa para mesa e todos comentavam o que se passava na mesa do lado. Entretanto chega Júlia, a suposta “filha” de uma das personagens, para mais tarde chegarem outros tantos. Comentário imediato do outro lado: «Imagino as compras»...Claro. Toda a gente sabe que “brasileiro bem de vida, é brasileiro muito bem de vida”.
Já que a comunicação não atava nem desatava, a primeira menina resolve puxar do cigarro mas...ops...não do isqueiro. Infalível. O charme do Brasil “espichou seu cigarro”. E foi o vício de fumar que despoletou toda a converseta – (meu Deus e a incomunicação que vai surgir com a lei antitabágica em locais públicos???). A conversa correu “fácil, fácil”. Entre Lisboa e o Rio de Janeiro, entre S. Paulo e o Porto, entre o Uruguai e Marrocos. Entre avós transmontanos e comida lusófona. Entre o custo de vida com euros, reais e dólares. Entre anedotas de portugueses. E estórias verdadeiras.
O charme do anunciado-divorciado-de-meia-idade e a sua predilecção por meninas eram claros. Um fetiche sobretudo pelas “clarinhas”, que não abundam no país de verde-amarelo.
Certo dia Dacosta, o charmeur, possível habitante do Leblon e fumador de cachimbo ao fim-de-semana, estava na véspera de mais um congresso patrocinado pela sua especialidade em gaz. Só que “não tinha terno”. Foi comprar um... Só que não tinha baínha! Desesperado, pediu à simpática empregada do comércio de Barcelona (igual à maioria dos seus simpáticos colegas) que lhe emprestasse o agrafador ou a “grapa”. “É para quê?”, reclama ela de imediato. Dacosta quase pensou alto: “Para quê? PÔ!!! Para a próxima vou grapar sua língua!”
Outro dia, em plena Lisboa, e fazendo jus às mais típicas anedotas sobre portugueses, Dacosta, presente em mais um congresso, (“meio-trabalho, sabe como é...”) precisava de um walkie-talkie de igual frequência a um que tinha em seu poder. Depois de lhe venderem o errado, dirigiu-se a uma loja e questionou o empregado. De resposta pronta o indivíduo respondeu-lhe: “Não funciona? Bem, em primeiro lugar a diferença está na cor...”.

No final da história as três meninas estavam esfomeadas. Tinham de procurar jantar, ao invés dos amigos brasileiros, saciados com as tapas-para-turista. Combinaram encontro para beber “cavas” num bar – “Oveja Negra” – que Dacosta se apressou a traduzir por “Ó velha negra!”, por entre gargalhadas sonoras e piscadelas de olho. Trocaram cartões, indicacões de caminho e promessas de reencontro. Elas foram em busca de restaurante e, enquanto restauravam e não restauravam o estômago, aparece um palhaço de rua que recruta uma como cobaia. Entre meneios, trejeitos, danças e parvoíces que a menina tinha de imitar, o palhaço não vai de modos – prega um beijo na boca da menina perante uma praça ululante de riso. Em troca estendeu-lhe uma flor – ela agarrou mas ficou com....o caule na mão que a flor – essa - era para ele. O jantar foi bem regado com cava de Barcelona e um comensal na mesa do lado com aparência e gestos de javali. Depois, as meninas partiram em busca da bem-disposta brasileiragem e, sobretudo, do charme-de-olhos-pequenos e barba à medida. Como ele próprio tinha dito: “brasileiro é simpático, diz “passa lá em casa”, mas nunca dá o endereço”. E assim foi. Na “Ó Velha Negra” nem sinais de Dacosta. Aprendam meninas: “brasileiro é simpático, é palhaço, faz brincadeira mas...nunca dá endereço!”.

2 Comments:

  • eheh q bonito conto, pena q não acabe c os saudosos contos infantis! bem sei a razão deste fim, é q este conto tem mta realidade...mto "rico", mto divertido...mas de facto a fantasia é mais cor de rosa...

    By Anonymous Anónimo, at 7:20 da tarde  

  • querias dizer "que não acabe como os contos infantis"!
    de resto é preciso animar. essa fase "negra" terá de passar com uns pózinhos de perlimpimpim e umas boas gargalhadas. sim, que a empresa tem de continuar a ir para a frente. e esta vidinha é também uma grande empresa. cheia de balanços para fazer, contas para pagar. mas com muitos, muitos prémios. nunca te esqueças da parte boa!

    By Blogger g., at 8:55 da tarde  

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