O Arroz de Casca

sexta-feira, agosto 25, 2006

Antonioni

The Passenger é definitivamente um filme que importa ver. A densidade dos planos que se demoram e que não aborrecem. A cor, a subtileza do enquadramento, a luz, a penumbra... Uma história bem contada onde o protagonista, um fabuloso Jack Nicholson, se quer dissolver de si e nos angustia com dúvidas: quantos eus podem viver dentro de nós?; pode alguém ser quem não é?; conseguiremos fugir de nós para ver uma outra luz ou poder olhar de outra perspectiva?; quem nos ama e nos (re)conhece?
A luz de Antonioni é também a do deserto de África e a da secura da Andaluzia espanhola. O sul na sua aridez, na paleta de cores que desmaia para depois fazer a festa. É a Espanha, na pobreza de 70. Na poesia redundante de velhos sós empurrados por cães e miúdos a jogar à bola nas frentes das praças de touros. No final, o protagonista conta-nos a parábola da fealdade do mundo, que alguém que deixa de ser cego se recusa a ver, porque era mais belo o mundo que a cegueira lhe imaginara. Aqui, por momentos, Antonioni retira a fealdade do mundo ao mesmo tempo que lhe filma, sem pejo, feridas em aberto.